Encontros de Jesus: MadalenaPor amor a Jesus

No relato evangélico três personagens se sobrepõem: Maria, irmã de Lázaro, Maria de Magdala e a anônima pecadora que banha com lágrimas os pés de Jesus. Elas foram pegas no encontro com Cristo. E pensar que “Jesus fixou seu olhar sobre ela, a fixou enquanto caminhava, sem parar”.
POR STEFANO ZURLO
Mais que uma mulher bem esculpida, é um tipo humano. Maria Madalena é um nome homônimo, citado em numerosas páginas do Evangelho que, talvez, se refiram a pessoas diferentes: primeiro aparece a anônima pecadora que unge os pés de Cristo com óleo perfumado; depois, Maria de Magdala, pura e fiel aos pés da cruz, a primeira grande testemunha da Ressurreição no dia da Páscoa; por fim, Maria irmã de Lázaro que João sobrepõe à protagonista da unção. A Igreja oriental sempre sustentou a existência de três personagens independentes, mas a tradição ocidental as fundiu, cosendo com um único fio alguns quadros da vida de Jesus. E celebra a festa da santa no dia 22 de julho. Na verdade, hoje, ninguém mais acredita nesta fusão; basta folhear a Bíblia de Jerusalém ou deter-se sobre as páginas do livro Vita di Gesú Cristo (Vida de Jesus Cristo) escrito por Giuseppe Ricciotti para entender como a crítica abriu o livro sagrado para atribuir a cada figura a sua identidade: “Desde a época de Gregório Magno – escreve Rudolf Pesch – a Igreja ocidental, na tradição, na liturgia, nas lendas, na arte e na devoção popular identifica Maria Madalena com Maria de Betânia, irmã de Lázaro e Marta e, também, com a anônima “grande pecadora”. Embora os estudos do Novo Testamento estejam, há muito tempo, concordes com a posição da Igreja oriental, que distingue as três mulheres e venera Maria de Betânia separada de Maria Madalena, esta identificação perdura nos nossos missais. Mas, por quanto tempo, ainda?”.
A pergunta permanece, as biografias das três não estão presas às paredes da história como a de Pilatos e continuam oscilando entre crônicas e contos populares: Madalena teria desembarcado – assim nos transmitiram os medievais – em Marselha, teria permanecido em penitência numa vida solitária nas montanhas de Saint-Baume por trinta anos; o seu corpo é mantido em Borgonha na abadia de Vézelay.
A casa do fariseu
Nos movemos no escuro, mas um detalhe, deixando de lado Maria de Betânia, aproxima as outras duas mulheres e permite, então, descrevê-las a partir algo que as une: o extraordinário fascínio que Cristo exerce sobre elas e mesmo o contato com Ele faz, das duas, figuras estrondosamente anti-moralistas. Isto é incômodo se colocamos os óculos do bom senso e das boas maneiras, e, exatamente por isso, moderníssimas.
Tomemos a pecadora: Jesus está à mesa na casa de um fariseu. Ela entra, “ajoelhou-se, chorando, aos seus pés e começou a banhá-los de lágrimas enxugando-os, depois, com seus cabelos, beijando-os e ungindo-os com óleo perfumado”. O dono da casa adverte o hóspede: “É uma pecadora”. “Que tipo de pecadora?”, perguntamo-nos, hoje, com uma pitada de mórbida curiosidade. Uma prostituta, como diz a tradição? A resposta não é tão óbvia: “Para os fariseus – explica Ricciotti – a palavra pecadora tinha significados diferentes: podia significar tanto uma mulher de costumes depravados, quanto uma mulher que não observava os preceitos farisaicos; no Talmud, também é equiparada a uma pecadora a mulher que dava de comer ao seu marido alimento sobre o qual não havia pago o dízimo”. Difícil pensar que ela fosse realmente uma meretriz. Com muita probabilidade, não a teriam deixado entrar. Ou, ao menos, o fariseu teria impedido a cena. Ao invés, ele é constrangido a engolir a situação: tem diante de si uma mulher importante.
Rompendo os esquemas
Sob estas bases Giacomo Contri destrói a concepção tradicional e constrói uma figura muito mais esfumada, complexa e rica de sugestões: a de uma mulher de bem, culta, de classe, talvez uma daquelas mulheres de vida tumultuada, mas bem conhecida nos salões mais exclusivos. Esta mulher, rica ou pobre, culta ou ignorante, é realçada por Cristo e serve a Nosso Senhor como um cordeiro, e isso rompe todos os esquemas da boa educação e da boa convivência. “Jesus disse a Simão: “Vê esta mulher? Entrei na sua casa e tu não me deste água para lavar os pés; ela, porém, banhou-me os pés com lágrimas e os enxugou com seus cabelos... Por isso, te digo: os seus muitos pecados estão perdoados, porque muito amou. Ao invés, aquele a quem se perdoa pouco, ama pouco”. Quais pecados? Segundo Contri não é necessário “espiar debaixo das cobertas”: tudo aquilo que é feito “sem Ele”, longe de Cristo, é pecado. E ela coloca em jogo todo o seu prestígio e seu fascínio para realizar a mais louvável ação: faz uma escolha “política”, se liga a Cristo. Foi conquistada por ele.
Zaqueu, a Samaritana e Madalena
Padre Giussani escreve: “Certamente foi o modo com o qual Madalena sentiu-se olhada que a fez ir até ele: o motivo foi a maneira com a qual foi olhada”. Provavelmente, no dia anterior, no meio da rua, “Jesus fixou o seu olhar sobre ela, a olhou enquanto caminhava, sem parar”, sem nem mesmo pronunciar uma palavra. Foi o suficiente: Jesus “olhava as coisas por aquilo que eram verdadeiramente: olha-se algo pelo que verdadeiramente é, quando se olha como a vê Deus”. E quando se tem esta perspectiva, a vida muda: “Bastou o olhar daquele homem e a sua vida mudou. A partir deste momento ela não olhará mais a si mesma, não verá mais a si mesma, não verá mais os relacionamentos com os homens, com as pessoas, com a sua casa, com Jerusalém, não poderá mais olhar todas estas coisas se não dentro do olhar dos seus olhos”. No dia seguinte lança-se aos seus pés, lava-os com suas lágrimas, enxuga-os com seus cabelos. E o ponto de vista de Deus inverte o ponto de vista mundano: “A cultura moderna – prossegue Giussani – não acreditando em nada, crê apenas no assim dito valor, vale dizer, na força do homem, na força com a qual o homem age com determinada bondade ou determinada virtude”. Madalena, assim como Zaqueu e a Samaritana, não satisfazem estes cânones: “Estas três figuras eram desprezadas pela multidão”. No entanto, “no Evangelho as figuras que, naquela multidão, triunfaram, foram estes três”. Três grandes pecadores, três figuras de reputação duvidosa de quem se devia passar longe, três pessoas (mesmo se sobre a Madalena existam opiniões diversas) com as quais, hoje, um homem de bem não beberia nem mesmo um café, ficam livres diante dele e se tornam testemunhas com um ardor, um ímpeto, um entusiasmo que valem muito mais do que os seus erros, suas culpas ou seus defeitos.
No sepulcro
Eis o acontecido: Madalena, com um gesto impróprio e desmedido, confia em Cristo e esta decisão anula todas as barreiras, todos os preconceitos, todas as distâncias. Ela, como Zaqueu e a Samaritana – se torna o metro de medida de uma humanidade nova e maior.
O mesmo modo de medir, totalmente incompatível com a mentalidade colocada dentro de formas, emerge no momento da Ressurreição. Desta vez, a protagonista é Maria de Magdala, a mulher que permaneceu aos pés da cruz com Nossa Senhora. No domingo vai bem cedo ao sepulcro e vê uma pessoa a quem confunde com jardineiro. Depois, ele se revela: “Mulher – nos conta João transcrevendo o diálogo entre o Senhor e sua discípula - porque choras? A quem procuras?”. Ela, pensando que fosse o guarda do jardim, lhe disse: “Senhor, se tu o tiraste daqui, dize-me onde o colocaste e eu irei buscá-lo”. Jesus lhe disse: “Maria”. Ela, então, volta-se para ele, e lhe diz em hebraico: “Rabi”, que significa Mestre. Jesus lhe diz: “Não me toques, pois ainda não fui ao Pai...”.
Uma narração que rompe tudo, que realmente desmancha todos os esquemas. O incômodo é quase palpável em Marcos, que anota: “Jesus aparece a Maria de Magdala da qual havia expulsado sete demônios”. Vittorio Messori escreve em Dicono che è risorto (Dizem que ressuscitou): “Marcos é constrangido a admitir que Jesus tinha reservado a sua primeira aparição (aquela que funda a própria Igreja) não somente a uma mulher, mas também ex-histérica ou ex-endemoninhada, se não (talvez) ex-prostituta”. Então, Messori se diverte, com uma ponta de perfídia, a procurar no texto evangélico “o emergir de um tipo de protesto ignorante”. Aquilo que aconteceu é politicamente incorreto, faz muitos torcerem o nariz, e, para dizer tudo, não é um feito edificante. Mas o pobre evangelista deve descrever aquilo que aconteceu e não é culpa sua se as coisas aconteceram assim. Pode-se dizer que é um capítulo um pouco constrangedor se pensarmos que as mulheres, as mulheres de currículo limpo, não gozavam de grande consideração naquela época: “Os testemunhos de mulheres – nos faz saber na sua obra Antichità giudaiche (antiguidade judaica) Giuseppe Flavio – não valem e não são escutados entre nós, por causa da frivolidade e da desfaçatez deste sexo”.
Noli me tangere
Cristo, mais uma vez, escancara, em poucas linhas, as portas de um mundo diferente, onde os últimos são os primeiros e onde o amor vence o pecado. Madalena – mesmo que seja mais correto dizer no plural – nos abre esta estrada assim como ela foi indicada às gerações da Idade Média e da Contra-Reforma: protótipo da penitente e extraordinário exemplo de humanidade resgatada por Cristo. Até o encontro com o Mestre no sepulcro, um face a face imortalizado por muitos pintores: é o célebre episódio do Noli me tangere. Giussani se detém, em particular, sobre a obra do Beato Angelico para nos acompanhar nos vértices vertiginosos da experiência cristã: “Logo que ela o vê, isto é, logo que se dá conta de que é Jesus, atira-se sobre ele. E Jesus a interrompe com a mão. Vêem-se as duas mãos de Madalena e a mão de Jesus que a detém: esta é a imagem que sempre demos da posse virginal, que tende à totalidade. Enquanto este tender à totalidade é estar a um palmo da face do outro, verdadeiramente se possui, muito mais do que se, até mesmo, se atirasse sobre o outro: atirando-se sobre a face do outro a mão torna-se mais similar à pata de um animal”. (in Passos/Litterae Communionis nº XX, fev/março, 1998)
Eis a grande lição de Madalena: ela, tão bela, tão sensual e tão desenvolta, ela, que em dois mil anos de iconografia nos é mostrada com os cabelos soltos, longos e fluidos, chega, por amor ao Senhor, ao mais puro dos relacionamentos. Cumprindo o percurso de maior proximidade que se possa imaginar.

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