O bom Raimundo recebeu dez contos de réis, diz a história, pelas suas terras que seriam alagadas nas obras do açude. Ao voltar da cidade, já encontrou à sua espera os parentes mais próximos e os amigos, que conversavam à sombra da mangueira e foram entrando. Como era costume, cada um foi pedindo seus "favores". Era uma forma de repartir a felicidade. A prima Severina foi a primeira a pedir um vestido para ir ao casamento da filha. A própria noiva precisava de uma trempe para o fogão. O primo Nonato queria um jegue para levar os jerimuns para a feira que o angico, de velho, já não agüentava a carga. Sebastião, o irmão mais velho, pigarreou e disse: "Eu careço de um par de botinas". O outro, Genésio, precisava de uma dentadura nova. Eleutério pediu, como "favor", "um ócus, porque a vista num dá mais prá rodá o bilro". Em pé no canto da sala, quieto, um moço chamado José a tudo assistia sem nada pedir. "E você, José", pergunta o bom Raimundo, "não vai pedir nada?" José ajeita o chapéu de palha na cabeça, arranca um suspiro da alma e responde com toda a pompa: "Eu quero só uma coisa, seu Raimundo; eu quero sua filha Glória em casamento". Este é, de fato, um pedido só, mas obviamente, contém muito mais porque, uma vez casado com a filha de Raimundo, José terá todas as suas carências supridas, como bem ensina o rabino Irving Bunin na sua monumental obra A Ética do Sinai, falando sobre a parábola que adaptamos nas historinha do bom Raimundo. Bunin está comentando a oração de Davi no Salmo 27.4. Davi declara que pediu apenas uma coisa, mas nesse pedido estava tudo que ele haveria de precisar por todos os seus dias: a presença do Senhor, simbolizada na casa do Senhor. A presença do Senhor é esperança, socorro na angústia, vitória sobre os inimigos, rocha de perenidade e proteção. - João Falcão Sobrinho
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