DEUS LHE PAGUE

Ms. Moisés Olimpio Ferreira

Deus lhe pague! Certamente você já ouviu tal expressão. Mas, cá entre nós, quem já não a ouviu? Talvez até mesmo já a tenhamos usado!

Senhores e senhoras, tenho dois filhos que desde ontem estão sem comer... Ajudem com qualquer moedinha.... uma moeda de dez centavos já ajuda... Deus lhe pague! Estive pensando em quanta dívida já arrumaram para Deus pagar. Se eu der a moeda: Deus lhe pague! Caso não a dê, Deus lhe pague! assim mesmo (e talvez aqui esteja incluída a expressão: pague do mesmo jeito pra largar de ser mão de vaca!). Ninguém pode negar que trata-se de uma excelente fórmula, aplicável a circunstâncias até mesmo duvidosas:

Estou vendendo este chocolate que é um novo lançamento. Nas padarias está custando R$ 1,00; aqui está R$ 0,50. Quem puder me ajudar, agradeço. Que Deus lhe pague!” Não é ambíguo? Tanto pode significar que Deus lhe pague a ajuda quanto que Deus lhe pague o chocolate. Depende, é claro, de quem está interpretando. Há uma outra expressão muito presente no mundo moderno, pelo menos para nós que somos capitalistas: Deus lhe dê em dobro! Depois de um apelo desses, dá uma vontade louca de contribuir.... Quem não quer receber duplicadamente? É um negoção!!!! Para exemplificar o uso, lembro-me do mendigo que recebe uma esmola de transeunte qualquer e que agradece com um feliz: Deus lhe dê em dobro! Bom, atualmente somos orientados, por diversos órgãos, a não esmolar mais. Se quiser contribuir (não é esmolar, porque o valor geralmente será bem maior que o da esmola!) faça-o a uma entidade filantrópica. Não está certo? Talvez sim, talvez não, mas, no final das contas, tudo bem.... O que importa é Deus que lhe dê em dobro!! É modismo transferir para Deus todas as dívidas. Acho que mudaram o texto da Bíblia. Se me lembro bem, acho que a palavra empregada por Pedro, lá em IPe. 5.7, foi ansiedade, cuidado. Desculpe, leitor, se te chateio com esta reflexão, talvez se tenha razão... dívida é uma espécie de ansiedade. Então por que nos preocupar com isso, não é? Lance a dívida lá para Deus e Ele que a pague! Que cubra as nossas contas bancárias!

Essa lógica justifica, por exemplo, comprar um grande auditório, uma rádio, um prédio, uma mansão, um carro importado com chauffeur (precisamos de mais exemplos??) sem consultar os membros da igreja. Depois, cada um deve fazer seus votos a Deus (em dinheiro ou algo que o represente como cheques pré-datados ou algum papel de compromisso, ou envelopes, ou automóveis, ou imóveis, ou dízimos, ou ofertas, ou...., ou..., ou...). Meu povo, é para a obra de Deus. Tenha fé. Entre na visão! E, se é assim, ótimo. Faço meu voto, adquiro um carnê, cato lata, vendo roupa usada, pego um envelope, assino uma nota promissória para pagar a dívida dos outros, e lanço para Deus a minha ansiedade quanto apagar meus compromissos! Mas, calma, não pense! Conforme-se. Contente-se com um Deus lhe dê em dobro!

Recentemente ouvi falar da construção de uma torre. A primeira coisa que me veio à mente foi a Torre de Babel. (Ah... desculpe-me, novamente, leitor. Não podia falar? Agora já foi! É que isso me incomodou muito. Realmente estou fora da visão! Perdoe a minha incredulidade! Estou perdido!). Depois da minha infeliz associação, perguntei-me: para quê? Amigo, não teve jeito, relutei para evitar isso, mas acabei juntando uma coisa na outra e concluí que era o mesmo objetivo da de Ninrode: Vinde, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo topo chegue até aos céus e tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra (Gênesis 11.4).

Lembro-me que alguém perguntou: Quantas casas populares poderiam ser construídas com o dinheiro empregado na dita torre? Acredite se quiser, responderam a pergunta! Tal a era a alimentação do ego que nem conseguiram entender o objetivo da pergunta (até que enfim, uma inteligente!) que o telespectador tinha feito. Responderam que dava para construir quase 100 casas! E ainda acrescentaram “amém!”. “Amém” ao quê? Não importa. Não questione. Pense apenas numa coisa: Que Deus lhe dê em dobro!
Fico pensando o que Deus acha de tudo isso. A Sua aparente distância deste mundo dá ânimo a atitudes incoerentes dessa natureza. Como é que se pode associar, descaradamente, Deus a esses impérios pessoais? Falta-lhes temor. Temor a Deus. Vi numa revista, “Isto É”, 22/09/2004, um pregador dentro de uma redoma de vidro anti-balas. Desculpe, mas ri, ri muito. Não vou negar, a foto ficou, no mínimo, engraçada. Quer dizer, não a foto, mas o seu conteúdo. Parecia uma espécie de algum ser vivente dentro de um aquário. A cor do vidro, verde, permitiu minha mente estabelecer tal relação. Segundo a revista “num culto no dia 7 de setembro, ISTOÉ ouviu o líder evangélico chamar seus seguidores de fariseus por não responderem imediatamente aos pedidos de contribuição”.
Insisto que o leitor perdoe meus blasfemos questionamentos!! Quero redimir-me! Por isso, lembro-me de Cristo que percorria toda a Galiléia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do reino e curando toda sorte de doenças e enfermidades entre o povo (Mateus 4.23). Entendeu o texto? Será que Ele andava entre o povo com um cordão de isolamento? Ou com guarda-costas? Ou numa armadura romana? Ou com sósia? De modo algum! Então, de duas, uma: ou ele não tinha riquezas que o prendiam a este mundo, ou não tinha inimigos.
Já pensou, meu querido leitor, o quanto Jesus poderia ter ficado rico com as ofertas de seus seguidores? Entretanto, espanto-me (por causa do meu ainda condicionamento mental) quando o Mestre diz ao jovem rico: Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu; depois, vem e segue-me (Mateus 19.21). Ele poderia ter dito ao jovem que desse o produto da venda para o Seu ministério (quem sabe para construir uma Igreja Maior). Poderia, também ter ele orientado a dar o dinheiro para o templo (quem sabe para construir um Templo Maior). Acho que naquela época Deus não estava tão interessado em dinheiro, não é? Ele desperdiçou uma oferta que poderia ter usado para um fim nobre: o Reino. Para a raiva de alguns, Ele nem falou em dar, pelo menos, 10% para o Seu ministério ou para o Templo.

Como o Mestre é maravilhoso! Admiro a sua inteligência, o seu desprendimento do mundo, o seu amor aos miseráveis. O Reino não é constituído de prédios, de torres, de shows, de obras megalomaníacas; não é dirigido por homens poderosos, cegos e egocêntricos. O Reino é fundamentado no amor ao próximo, ao miserável. Jesus ensinou ao jovem que, para ser completo (adulto, perfeito, maduro), é preciso segui-lo tendo-se desprendido do mundo (vai, vende, dá) e amando o seu próximo (dá aos pobres).

Não vivo a utopia. Sou consciente que a situação de nossa sociedade pós-moderna não caminha para a correção. Até que Deus tenha sua paciência esgotada, ainda conviveremos com coisas ainda piores às que já observamos. Entretanto, o papel da Igreja de Cristo é defender a fé que uma vez foi-lhe entregue. Se ela não o fizer, ninguém o fará! Talvez como uma voz no deserto prestes a ser calada, mas nunca covarde, nunca corporativista, nunca buscando a sua própria felicidade ao custo da miséria de outros, nunca aceitando os valores propagados pela mídia de massa, não entrando no consumismo, na violência, nunca conformada com as normas do presente século, e muito menos sacralizando-o.

É preciso lembrar-nos do conselho de Paulo a seu filho na fé, Timóteo. O apóstolo ensina-o que a busca do sucesso, da prosperidade, das riquezas não são sinais de vida íntima com Deus: “Porque nada trouxemos para este mundo, e manifesto é que nada podemos levar dele.Tendo, porém, sustento, e com que nos cobrirmos, estejamos com isso contentes. Mas os que querem ser ricos caem em tentação, e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, que submergem os homens na perdição e ruína.” (I Tim. 6.7-8).

Enquanto não nos permitirmos transformações pela renovação do nosso entendimento, faremos parte do mundo cristão pós moderno dos negócios, onde falsamente ensina-se que é dando (aos impérios e aos seus imperadores) que se recebe (de Deus). Se continuarmos vivendo construindo nossa casa sobre esses campos arenosos, então, leitor amigo, aceite um: Deus lhe pague! Não. Desculpe-me. Um que Deus lhe dê em dobro!